Sobre o Teatro à La Carte - por Miguel Anunciação

São inegáveis o empenho, o capricho e a sinceridade desta criação da Santa Víscera Teatro: o fato de estar na rua não, não cobrar ingresso, não a desobriga de exibir uma criação menos bem cuidada, bem pensada, bem resolvida. A Cia parece disposta a apresentar seu melhor, respeitar o que vem dispor ao público, não uma proposta limitada, já surrada, negligenciada - como é tão comum ver entre outras montagens de rua. E TEATRO A LA CARTE de fato diverte, entretém, sustenta a atenção dos transeuntes - virtude fundamental a quem concorre com os tantos estímulos que a via pública é capaz de gerar. E porque é evidentemente eficaz no que exibe, o espetáculo deve ser visto como um colaborador na formação de plateias: quem estancar para assisti-lo, certamente ficará motivado a ver outros espetáculos, no futuro. Porém, para ser ainda melhor, a Cia e o espetáculo poderiam buscar mais alcances, outros patamares. Desde outros títulos para ao seu cardápio de cenas curtas, que adaptam clássicos do teatro e da literatura universais: O URSO, de Tchecov, por exemplo, nem sempre soará mais interessante aos leigos, só aos iniciados. Talvez contar as histórias de maneira menos programática, começo/meio/fim. Quem sabe? inserir elementos alheios ao material de origem, que garantam mais vibração e atração ao que se exibe. Não há grande pecado nisso, afinal, toda tradução (ou adaptação) nunca deixará de ser uma traição e algum grau. Sobretudo, a Cia deveria se autorizar a ser mais audaciosa em suas criações: nesta, se ainda for o caso retomá-la, returbiná-la, e nas próximas. Ir além da eficiência e do esmero que se consegue em TEATRO A LA CARTE. Ir além do bem-feito, do simpático e do divertido. Talvez, se permitir buscar o incompleto, o desafinado, o desacerto: quando adicionados em boa medida, os desarranjos costumam trazem uma espécie de energia favorável às artes. Um desequilíbrio familiar à própria vida, ao descontrole de todas as pessoas. Até lá, o Santa Víscera Teatro tem em TEATRO A LA CARTE um espetáculo que se distingue por ser bem composto, bastante recomendável. Por conter uma espécie de originalidade: distribuir um cardápio ao espectador e lhe permitir de escolher uma das cenas do repertório. Embora a proposta de escolha não seja uma oportunidade de natureza artística, só uma estratégia diferenciadora, é uma louvável iniciativa de intervenção ao público. Mais louvável ainda quando sabemos que o público de hoje cada vez mais requisita maneiras de participar do que lhe é oferecido.

 
Critica escrita pelo jornalista Miguel Anunciação no Multifestival de Teatro de Três Rios/RJ - OFF RIO